sexta-feira, 17 de outubro de 2014

"Bethânia, obrigado por existir"

“Aquilo me transformava, me fazia crescer dum modo, que doía e prazia. Aquela hora, eu pudesse morrer, não me importava.”
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Há exatos 46 anos atrás, em 1968, Maria Bethânia lançava seu antológico “Recital na Boite Barroco”. A capa maravilhosa, pintura do artista Luiz Jasmin, incrivelmente conseguia captar a dramaticidade e a força daquela jovem através do olhar grave, sereno e firme expresso na ilustração. Olhar de quem aos 22 anos já bradava cantar as músicas que gostava, do jeito que gostava.

Mais de duas décadas depois, Bethânia lançaria um disco de estrondoso sucesso. Repleto de músicas de apelo bastante popular, “As Canções que Você Fez Pra Mim” não carece de apresentações, tendo vendido mais de um milhão de cópias e impresso várias músicas nessa espécie de inconsciente coletivo que chamamos cultura popular.



“Tá”, me dirão, “e daí?!”. “O que isso tem que ver com a apresentação de ontem, que você, juntamente com uns poucos sortudos, foi conferir a convite da Re(verso)?!”. Pois bem, explico-me.

Eu estava na alfabetização quando descobri o “Recital”. Eu morava “na roça” e, muito embora o sem-número de coisas a se fazer por lá, não era raro eu passar horas sentado com aquele bolachão na minha frente, “namorando” aquela mulher misteriosa, meio mágica, perscrutando em detalhe o desenho, conferindo aqueles insetos, os seios proibidos se insinuando sem pejo, enfim. Nem sei se por aqueles tempos eu ouvia de fato o disco, assumo, mas se me perguntam qual elemento iconográfico, por assim dizer, que me remete aos meus começos de vida é, sem dúvida, esse: a Bethânia-entidade da ilustração do Jasmim e seu olhar invasor.

Pouco tempo depois, uma “tia” que tinha casa “na roça” apareceu com uma fita cassete com umas músicas que faziam grande sucesso à época. Quem me estiver lendo até aqui não terá dificuldade em adivinhar que se tratava do “As Canções…”. Dessa vez, o que me arrebatou não foi a imagem, mas sim aquelas músicas carregadas de dramaticidade (há quem diga que as letras, os arranjos, o projeto gráfico… é tudo muito brega, eu acho finíssimo, sofisticadíssimo, latiníssimo), que eu, na altura com cinco, seis anos, ouvi por uma semana direto infinitas vezes.



Isso posto, não é difícil perceber como essa artista foi importante na minha formação. Da minha infância mais pequena até a idade adulta, nunca mais abandonei sua obra. Já na cidade grande, as facilidades se avolumaram, tomei conhecimento de sua imensa produção, tive contato com os mais variados formatos, bootlegs, fui a várias apresentações, a ouvi, enfim, incontáveis vezes. Mas o “Recital” e “As Canções…” permaneceram ali, como uma espécie de gênese da minha sensibilidade (ao lado dAs Reinações de Narizinho, da vida religiosa, etc). Sou uma pessoa com imensa dificuldade em me ligar a ídolos, talvez coisa de ego, analistas que o digam, mas Maria Bethânia é uma exceção. Não é só um ídolo, mas parte da minha formação. Os modos pelos quais eu vejo e me relaciono com o mundo têm MUITO a ver com essa artista. Posturas, escolhas, gostos, enfim, é imensa e determinante a influência de Bethânia na minha vida. A despeito disso, malgrado sua presença tão forte na minha vida, apesar das várias apresentações suas a que eu assisti, eu nunca tinha tido o prazer de privar de sua presença, ser apresentado a ela, conhecer, mesmo que rapidamente, a mulher por trás daquela persona que já me era íntima desde sempre, me embalado que havia desde minha meninice. Nunca a havia conhecido, repito. Até ontem.

Foi esse o espírito que me animava ontem, ao ser recebido em um pós-show da Bethânia pela primeira vez. Dia dos professores, o magnífico espetáculo, o documentário, tudo isso se nublou ante a perspectiva de estar em sua presença. Sempre falei que seria inútil falar tudo que ela significava para mim, o quanto eu a admirava ou os onipresentes “eu te amo” quando eu fosse recebido em seu camarim. Idealizava um momento de feliz contemplação. E assim o foi.

Nem me utilizando de toda minha disciplina, aplicação e escasso talento literário eu conseguiria expressar o que se passava comigo naquele momento. Ela foi ótima, calma, gostou de eu ter levado o livro para ela assinar, se preocupou se a foto ia ficar bacana por que eu não me aproximava muito dela… enfim, o de melhor que se podia esperar. Eu, a despeito de toda euforia que me ia por dentro, me comportei como eu achava que deveria ser e como há muito havia aprendido com a melhor das mestras: calmo, “alegre, plenitude sem fulminação.”


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1. Sei que tergiversei, mas ai, temos muitos depoimentos e materiais sobre a noite. O espetáculo está há muito disponível na internet;
2. Muito, MUITO obrigado à Re(verso), especialmente ao Edu, pela experiência.
3. Obrigado também à produção. Segunda vez que fomos recebidos e tratados pela Ana Basbaum com toda atenção, respeito e disponibilidade.
4. Parabéns à Bia Lessa pelo filme e obrigado pela simpatia.
5. Bethânia, obrigado por existir.

Matheus R. Pinto

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Um comentário:

roger disse...

Bethãnia tem essa força, confesso que sinto o mesmo e tenho a mesma impressão. Dona Maria é realmente uma personalidade e ensina muito ,muito mesmo a vida !