sexta-feira, 3 de julho de 2015

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(Essa história é ligeiramente baseada em fatos reais)

Tudo começou com uma mensagem enigmática que me foi enviada por Eduardo Lott, nosso grão-mestre, numa noite fria de sexta-feira. “Você tem compromisso amanhã das 9h30 às 17h?”, perguntou. Se estivéssemos num filme de Hollywood o cenário da conversa seria um estacionamento vazio de um prédio ou um armazém abandonado, imaginei na hora.

"Não tenho" respondi com tranquilidade embora a ansiedade dentro de mim já tivesse começado a roer meu estômago silenciosamente.

"Quer trabalhar com a Bia Lessa?" Pausa dramática. As luzes da garagem/armazém misterioso piscam freneticamente, carros de polícia tocam suas sirenes ao longe. Terá sido esse barulho um tiro? Sim. Um tiro que eu tomei dentro de casa com essa pergunta. Como assim? Inclusive foi o que repliquei: "Como assim?"

"Vou te ligar" disse, aumentando ainda mais o mistério. Nosso guru não queria deixar rastros digitais, imaginei. Então ele me contou por telefone que Ana Basbaum e Bia Lessa haviam entrado em contato com ele para pedir ajuda para terminar de montar a exposição”Maria de todos nós”. Elas precisavam de pessoas de confiança que não vazassem nenhuma informação ou fotos antes da abertura. Me senti feliz tanto por ter sido considerado pelo Eduardo como confiável tanto pelo convite em si para trabalhar na exposição. Fui, no entanto, sutil e amavelmente ameaçado: "é pra chegar 9h30! Você tem fama de se atrasar". Não respondi a essa assertiva pra não estragar o momento e também, principalmente eu diria, por que é verdade. Enfim, coisas miúdas. Falei que iria, me comprometi a não furar, também sob doces ameaças, e desligamos.

No dia seguinte eu acordei meio ansioso, me arrumei e fui pro Paço. Chegando lá, na entrada lateral falei com um segurança tentando buscar minhas próximas instruções. "Você é do pessoal dos saquinhos?" perguntou ele. Disse eu que não, mal sabendo que aquela frase seria como o conjurar de uma pequena maldição. Uma sina que me perseguiria por outros dias. Encontrei o resto do pessoal da Re(Verso) e a Fernanda, que já estava trabalhando lá. Fernanda nos instruiu acerca das nossas funções: éramos o povo do saquinho sim, afinal. Deveríamos encher saquinhos plásticos no banheiro do Paço, dar-lhes nó e, subindo em andaimes, pendurá-los nas armações do teto, preenchendo-o.

Foi um trabalho que me lembrou o mito grego de Ptolomeu, que tem que rolar uma pedra do cume de um monte até o topo e repetir o processo ad infinitum. Não conseguia vislumbrar o fim do túnel por que ele estava atrás de uma montanha de sacolinhas plásticas. Ao voltar no domingo fui recepcionado pela notícia de que parte dos saquinhos que haviam sido colocados no dia anterior haviam caído. "Ninguém me perguntou se eu queria, vou-me embora pro Nordeste. Lá tem brisa" devem ter pensado antes do suicídio. Pois bem, voltemos pro banheiro pra encher. E assim foi no domingo, na segunda e na terça. Enche saquinho, dá nó em saquinho, põe saquinho na sacola, leva sacola pro povo dos andaimes, povo dos andaimes pendura saquinho, enche mais saquinho etc. Isso tudo entremeado por pães com queijo e presunto, china inbox, pizzas (ainda escrevo uma canção de amor para gravar num disco voador para Leonardo Fonseca pelas pizzas), cigarros e muitas risadas. Foi uma oportunidade de contribuir com a exposição mas também de conhecer melhor pessoas incríveis e divertidíssimas. Terça-feira o pessoal terminou o teto e nossa tarefa, pelo menos a inicial, estava cumprida.

Voltar lá na quinta-feira e ver aquela exposição toda pronta e belíssima foi demais pro meu coração de menina interiorana. Ver MB dar entrevista para a GloboNews na salinha de telhado de saquinhos d'água, que, por acaso, era nada mais nada menos que a representação de Santo Amaro, foi incrível. Segui a diva como parte de seu cortejo pelo paço até o momento em que Ana, com quem já tinha falando anteriormente e que foi mega atenciosa e querida com todo o pessoal, me disse para segui-la. Esse lá é um pedido que se faça? Segui, com Leonardo e Rafael, que eu puxei do meio da multidão perdido, e entramos na salinha privada onde MB ficaria. Se não me falha a memória estávamos apenas nós três, Ana e MB. Ela acenou para que nos aproximássemos e nos apresentou dizendo que havíamos trabalhado no telhado da sala de Santo Amaro.

"Vocês são o pessoal dos saquinhos?" - perguntou então com aquela voz cujo timbre eu já tenho decorado na alma. Eu morri por dentro nessa hora, mas como um coração que ainda pulsa por alguns minutos quando retirado do corpo, minha carcaça permaneceu de pé. "Que trabalho vocês tiveram meninos. Vocês salvaram a pátria". Meu Deus, isso é a vida real? "Fizemos com o maior prazer" foi tudo o que eu soube responder. Eu estava no modo operacional, uma coisa meio Hodor de Game of Thrones, só sabia dizer aquilo. Ela sorriu e fomos tirar nossas fotos. Agradecemos e saímos. Meu Deus eu acabei de falar com Bethânia? Acabei de tirar uma foto com ela? Será que eu não tô na verdade dormindo em casa com o fone de ouvido reproduzindo uma entrevista dela enquanto eu durmo e o som penetrou no meu sonho? Is this real life or it's just fantasy?

Enfim, enfim. O que quero dizer é bem clichê: tudo valeu a pena. Pelo trabalho bem sucedido, pelas pessoas que conheci melhor, pela oportunidade de poder falar com Maria Bethânia e ouvir que havíamos "salvado a pátria" (eu tô repassando a cena mentalmente de 10 em 10 minutos). Embora repute minha participação individual como diminuta frente a de outros colegas, eu me senti como parte do grupo Re(Verso), que ajudou a montar o telhado. Que ajudou a construir aquela Santo Amaro possível, o ventre geográfico de D. Maria. É por demais forte simbolicamente para eu não me abalar.

Texto: Victor Paiva



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