Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…”
“Eu já me sinto um pouco assim.”
O longa dirigido muito sensivelmente por Márcio Debellian é pródigo em cenas impactantes, mas essa, na qual d. Cleonice Berardinelli assume, assim, muito despretensiosamente e sem grande alarde se identificar com o famoso (mormente entre os fãs de Bethânia) poema “Aniversário” talvez seja a mais singular.
Não deixou de me causar certo desconforto essa cena. Desconforto, curiosidade e, acima de tudo empatia.
“(o vento lá fora)” é um belíssimo registro que une uma mais que bem vinda visão panorâmica sobre a obra de Fernando Pessoa com a interpretação apurada de duas de suas admiradoras mais célebres desse lado do Atlântico. Tudo isso somado a uma proposta visual baseada na fotografia em preto e branco e enquadramentos fechados que acentuam a proposta intimista do registro e a força das questões colocadas pelos poemas apresentados.
Apesar da opção de repetidos closes em Maria Bethânia ao longo dos primeiros minutos, é d. Cleonice que emerge como a grande personagem do filme, rivalizando com a figura onipresente de Fernando Pessoa, ou melhor, de sua poesia, eixo central da narrativa mais ou menos linear.
No que nos diz respeito mais especificamente - fãs de Bethânia que somos-, é o prazer de rever textos já clássicos em sua discografia tomar novos ares na tela grande. Novas interpretações, textos outrora falados em parte sendo agora apresentados integralmente, poemas divididos… enfim, um deslumbre. Ponto alto nesse sentido é a interpretação conjunta do famoso “Todas as cartas de amor…”: inesperadamente divertida.
Também vale atentar para o início do filme, onde podemos rever Bethânia ao piano tocando a clássica “Le Lac de Come” (procurei um vídeo antigo dela executando essa música ao piano no palco aqui mas não achei, alguém certamente o fará…).
Ao final, resta inconteste a potência interpretativa de Maria Bethânia, a singularidade de sua voz e a força de sua persona. Malgrado a beleza e a autoridade da interpretação de d. Cleonice, a diferença é quase palpável quando a Abelha Rainha abre a boca e, dedo em riste, solta a voz. “Quem ganha é o poema”, palavras da professora, quem há de discutir.
Enfim, o filme é ótimo. Não deve agradar a gregos e troianos, contudo. Nada demais, afinal “A realidade sempre é mais ou menos do que nós queremos”.
Matheus R. Pinto
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