quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Show Pássaro da Manhã (1977)





A música é o meu instrumento

"Uma estrela", as estrelas existem para iluminar o caminho. E para avisar quando prenunciam alguma coisa boa. No bonito texto que escreveu sobre Maria Bethânia, o diretor Fauzi Arap poderia ter acrescentado: "As estrelas existem também para colocar os jornalistas malucos". Não teria exagerado, pois entrevistar Bethânia, nas vésperas da estréia de um show, é tarefa de doido.

Para marcar a entrevista não há grandes problemas, pois os espetáculos de Bethânia são talvez os únicos realmente "produzidos" no Rio. E na produção a divulgação ocupa, é claro, lugar importante. As dificuldades começam com o número de pessoas querendo entrevistar a estrela e tempo exíguo de que ela dispõe. Resultado: as entrevistas ficam marcadas mais ou menos em fila: "Primeiro você; depois, você; depois, você". "Por que não juntar todos?" A reação de Bethânia é imediata: "Isso não, minha filha. Não tem nada a ver". O jeito, então, é entrevistá-la com um olho no relógio e outro nos coleguinhas que estão esperando a vez.

Apesar desse clima pouco favorável, Bethânia continua transmitindo charme. Pudera! Não é estrela? Toda de vermelho – incluindo as sapatilhas – ela brilha. Brilha até nas jóias, pois as volumosas guias de orixás que costumava carregar no pescoço foram trocadas por delicados cordões de ouro. Que enfeitam também seus braços, antes cobertos de pulseiras barulhentas. Tudo bem suave. Afinal, desta vez ela é o Pássaro da Manhã.

Em Pássaro da Manhã – que estréia na próxima quinta-feira – Bethânia fala e canta sobre esperança e liberdade. Como acontece há quase dez anos, Fauzi Arap dirige a cantora no palco. O titulo do show é dele, que partiu da música Pássaro Proibido, composta por Bethânia e que deu o título ao seu último LP. Fauzi achou que, depois do Pássaro Proibido, tinha que ser a vez do Pássaro da Manhã. Ela concordou inteiramente com ele, o que sempre acontece quando trabalham juntos.

"Eu não saberia delimitar onde acaba a influência do Fauzi e onde começa a minha. É como se fosse uma relação simbiótica. A gente se entende até no olhar. Às vezes, pensamos fazer uma coisa assim e, no palco, vemos que não é nada disso. Não é preciso nem falar. Eu vou e faço como sinto que precisa ser feito. Aí, o Fauzi, diz: "Mas é isso mesmo que eu estava querendo".
A amizade dos dois é antiga. Vem dos tempos do grupo Oficina. Bethânia viu Fauzi em Os Pequenos Burgueses e ficou "alucinada" com sua interpretação. Foi procurá-lo e ficaram amigos. A oportunidade do trabalho conjunto veio mais tarde, quando ela fazia Comigo me Desavim, em 1967. Ele foi ver o espetáculo, gostou, deu umas sugestões que foram aceitas entusiasticamente e, quando percebeu, já estava dirigindo o show. Assim nasceu a "fórmula" dos espetáculos de Bethânia, transformada em "cantoraatriz": textos escolhidos entremeados com música. Desta vez, os textos foram tirados de peças teatrais e não de poetas. Bethânia dirá trechos da última peça de Fauzi Arap (Ponto de Luz) e de Os Convalescentes, de José Vicente. Ligando o espetáculo, trechos pequenos de um livro muito lido pelos adeptos da ioga. Folhas do Jardim de Moria. No repertório, músicas de Chico, Gil, Caetano, Sueli Costa, Raul Seixas, Noel.

Tudo pra fazer de Pássaro da Manhã um espetáculo leve, menos tenso que os anteriores. Como define Fauzi Arap, "um show que transpire liberdade, pois a gaiola de um homem só ele mesmo pode abrir". No cenário de Flávio Império, domina uma imensa lua prateada. Mas, no palco há espaço suficiente para que a estrela espalhe seu brilho.

"Eu mal agüento esperar pela estréia. Há mais de dois anos que não tenho um palco só para mim. Meu último espetáculo sozinha foi Cena Muda, em 74. Depois, vieram o show com Chico Buarque, e os Doces Bárbaros". Amei fazer os dois, mas estava louca para fazer um show meu. Nos Doces Bárbaros, por exemplo, eu tinha vontade de cantar o Eu te amo, que era interpretado pela Gal. Todas as noites, eu tinha que me segurar para não ir para o meio do palco e interpretar a música".

No show com Chico Buarque não houve esse problema, mas havia uma espécie de disputa no relacionamento compositor-intérprete, que fascinava e esgotava Bethânia. Para ela, o espetáculo foi dos mais importantes, algo com que vinha sonhando há anos: "Quer uma prova? Quando a Phillips me perguntou o que eu queria de presente por meus dez anos de carreira, nem hesitei: "Um show com Chico Buarque".

Pássaro da Manhã" é outro presente que Bethânia está se dando. Vai cantar músicas que "adora", vestir roupas que acha "divinas", e principalmente, vai voltar a ser estrela novamente. O "troca-troca" de Bethânia em seus espetáculos já foi motivo de muita crítica. Afinal, pra que mudar tanto de roupa?

"Vaidade, oras. Eu sou uma pessoa muito sofisticada, que adora roupas maravilhosas. Nasci assim, o que vou fazer? Tem gente que gosta do tecido nacional. Eu prefiro o francês. Então, é assim que vou me vestir para o palco. Na rua, ando de calça "Lee", mas nos meus shows, nunca. Acho horrível fazer espetáculos com roupa de ir à rua. Para cantar assim não é preciso palco".
Devido a essas idéias, Bethânia vai continuar trocando de roupa, em Pássaro da Manhã. O modelo do vestido é único, as cores é que são diferentes: dourado, branco e vermelho. Cores escolhidas, não porque sejam de algum orixá, mas porque vestem bem o corpo moreno da estrela. E as críticas?

"Não me importo. Se o show muda de clima, minha cabeça muda, meus sentimentos mudam. Por que não mudar de roupa?"

"Para mim, foi ótimo. Não tive problemas. Minha carreira andou maravilhosamente. Sei que alguns artistas, meus amigos, inclusive, tiveram problemas com a censura. Mas não senti isso na carne. Então, ficou um pouco distanciado. Assim, não posso dizer que 76 foi ruim".

Isa Cambará – Folha de S.Paulo, 10/01/1977

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