quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Show Drama- Luz da Noite (1973)








A linguagem emocionante de Maria Bethânia

Se há ainda alguma dúvida de que Maria Bethânia seja a melhor cantora brasileira do ponto de vista técnico-interpretativo no disco, ela mais uma vez dirime todas as dúvidas a respeito de sua incrível superioridade, quando enfrenta um público de teatro. Elis Regina e Gal Costa – cantoras essencialmente de disco – parecem amadoras se comparadas a ela em cena.

Cantando músicas de autores diversos – de Chico Buarque a Ricardo Galeno, de Mário Lago a Gilberto Gil – ela consegue um nível interpretativo realmente recriativo num bom trabalho de revalorização do material usado. Na sua voz, melodia-harmonia–letra são reduzidas a matéria-prima e ela dá sua versão particular de cada música de forma – às vezes surpreendente e sempre agradável, criando um produto final que consegue entusiasmar e manter tensos os auditórios cada vez mais superlotados de seus espetáculos.

Um show de Maria Bethânia é tratado com tanto profissionalismo e ao mesmo tempo com tanto esmero técnico (uma coisa completa a outra) que se diferencia basicamente da grande maioria, quase totalidade, dos espetáculos musicais em cartaz, concorrendo com ele.

Não que seus shows sejam sempre perfeitos, mas a imperfeição que apareça é causada muito mais pelo seu despreparo cultural do que por algum efeito do ponto de vista musical. Na verdade, há uma distância muito grande entre o repertório (aliado à força dada pela cantora a cada número) musical e o corpo de textos de um show de Maria Bethânia.

Em Drama-Luz da Noite, que estreou anteontem, às 21h30, no TUCA sente-se perfeitamente a disparidade entre a carga de emoções e tensões contidas no universo musical ou no clima de interpretação e a subliteratura que flui flácida entre um número e outro. Antonio Bivar e Isabel Câmara autores e diretores do espetáculo – não conseguem nem de perto acompanhar o incêndio de emoções que habita a musicalidade da cantora. O subexistencialismo caboclo, repleto de frases vazias e de um estilo poético em voga no início do século (entre o simbolismo, o dada e o surrealismo, numa salada diluída em leite), soa barroco 50 anos depois de Oswald de Andrade ter criado um novo marco zero, um ponto de partida radical para a poética brasileira. Mesmo um poeta correto e claro como Fernando Pessoa consegue ser mal usado no contexto geral do espetáculo.

Na verdade, a própria intérprete não sente essa disparidade entre duas linguagens diferentes, uma vez que ela está acostumada a falar intuitiva e brilhantemente na linguagem da música. Assim, ela intercala o clima de tensões dos números musicais com um clima de falso refrigério recitativo da geléia geral do texto de Bivar e Câmara.

Felizmente, o clima forte prevalece em versões esplêndidas de uma verdadeira antologia de nosso cancioneiro. E, merecidamente, Chico Buarque de Hollanda – o autor que mais corresponde com seu trabalho de produção ao trabalho de interpretação de Bethânia – ganha um destaque especial em Drama-Luz da Noite. Não é à toa que os números mais emocionantes do show sejam Valsinha,Atrás da Porta e Soneto – todos de Chico, um compositor que se ainda investe muito timidamente no campo da sintaxe musical está cada vez mais coerente e digno ao nível semântico.

No palco, com Maria Bethânia cantando, poucos hão de se referir aos autores de cada número. Todos – por mais diferentes que sejam – se identificam muito bem com sua versatilidade rara e pontilhada de uma extraordinária lucidez intuitiva e metacrítica com que faz soar cada canção.

Quando de ouve Volta por Cima (de Paulo Vanzolini) ou Como vai Você (de Antonio Marcos e Mario Marcos) com Maria Bethânia, é como se as duas fossem novas e diversas. Da mesma forma, ela enriquece e desmistifica (ainda mais uma vez por pura intuição) autores como Caetano Veloso particularmente em Drama), Gilberto Gil (especialmente em Filhos de Gandhi) e Dorival Caymi (numa marca muito pessoal sua, Mãe Menininha do Gantois). O óbvio do deboche em A Outra (de Ricardo Galeno) é engraçado mas não é ridículo, da mesma forma como a nostálgica estação de Donde Estará mi Vida ganha um tragicômico tom de bolero – em sua versão pessoal.

O mais interessante na rica intuição de Maria Bethânia é que, sendo hoje uma estrela de primeira grandeza da música brasileira em franca evolução ela continua mantendo um sério trabalho musical de alto nível ao contrário de muito astro por aí que ao ganhar o primeiro aplauso já está querendo improvisar sem o menor know how.Tudo nela é ao mesmo tempo previsto e surpreendente. Esse comentário vale também para o excelente nível técnico dos arranjos de Luís Cláudio, dela mesma e de Gilberto Gil. Os músicos são todos muito bons, com destaque especial para o Terra Trio que acompanha a cantora há seis anos com todas as suas evoluções. Ao contrário do que muitos pensam, é justamente essa séria previsão aliada a uma economia de detalhes supérfluos que consegue dar a carga necessária de emotividade e comunicação a cada versão que ela dá a um número musical.

E se o público muitas vezes reage infantilmente misturando aplausos com assovios e gritos de "bravo" e "mais um" lembrando um programa de auditório na TV isso é inteiramente explicável porque o clima de Bethânia é carregado de tensões e a catarse tem de ser mesmo o aplauso que ela responde com os olhos brilhantes e a certeza de que esse entusiasmo é conseqüência de um intenso e cansativo trabalho de criação.

Seu charme fá-la parecer até bonita no palco onde reina absoluta senhora de todos os movimentos. Sua nudez faz parte do cenário como ela própria, que sabe que a artista no palco é como um objeto de consumo sobrevivendo do aplauso e a pessoa na vida particular é outra coisa completamente diversa.

Do ponto de vista estritamente critico, Drama-Luz da Noite é um espetáculo até mesmo inferior ao seu anterior Rosa dos Ventos (de Fauzí Arap). Mas como cantora, Maria Bethânia está caminhando para a frente, ganhando cada vez mais personalidade e assumindo um lugar merecido de "estrela" em nosso panorama musical. Isso só basta para marcar o show com sua linguagem específica no campo estético. Mas realmente não basta para justificar a onda subexistencialista com que muitos jovens literatos estão querendo salvar a literatura, como linguagem estética, da morte.

José Neumanne Pinto – Jornal da Tarde, 04/10/1973


DOWNLOAD ÁUDIO NA ÍNTEGRA
1ª PARTE
2ª PARTE

Obs: Áudio na integra indexado faixa a faixa. Trabalho feito pelo nosso querido Élvio, a quem agradecemos.

*UPDATE*

Links para download de um especial apresentado na TV Brasileira em 1973, com imagens do Show.

1ª Parte
2ª Parte
3ª Parte
4ª Parte
5ª Parte
6ª Parte

13 comentários:

Nelson Júnior disse...

Esse é o meu disco preferido. Forte, direto, sem qualquer tipo de concessão.
O audio completo é imperdivel.
Nelson Jr

ricardo salvador ba disse...

Ola meninos
lindo trabalho de vcs !!!!!!!
Amo betha e fico feliz de ver
pessoas com tanto carinho pelo trabalho dessa grande artista .
Gostaria de saber se existe um registro do show rosa dos ventos e drama em video o espetaculo completo !! pois eu fico sonhando como foi esses espetaculos.
bjss a todos vcs!!! lindos!!

Anônimo disse...

Ricardo!!
Muito origado pelo carinho!!
Infelizmente ainda estamos na correria atras de um registro completo em vídeo de Rosa e Drama em vídeo...seria maravilhoso!! Um dia quem sabe...

Um abraço!

mell disse...

Olá, meu HD foi perdido, e não tenho mais o áudio na íntegra do show. Poderiam me disponibilizar, por favor!!! Podem mandar pelo meu e-mail mesmo. Aguardo ansiosa. Desde já agradeço.

Astrolleo disse...

Olá!

Parabenizo a todos pelo brilhante trabalho do blog.

Alguém poderia, por favor, disponibilizar novamente este lindo show? Cheguei há pouco tempo por aqui...

Abraços!
Leonardo

Eduardo Lott disse...

Durante o feriadão, estaremos disponibilizando o áudio. Abçs.

Astrolleo disse...

Olá!

Muito obrigado pela atenção, Eduardo!

Meus amigos e eu estamos aguardando ansiosamente por este show na íntegra! Estamos gratos por você compartilhá-lo!

Abraços!
Leonardo

Anônimo disse...

Olá! Parabenizo pelo blog que está ótimo e de muita qualidade. Fiquei aguardando o show Drama no feriadão conforme prometido. Tenho shows para enviar e não sei como. São: Dadaya - As 7 moradas, 25 anos e Memórias da Pele.
Fico no aguardo.
Parabéns
George> george_jorge1000@hotmail.com

Eduardo Lott disse...

Gente, perdoem não ter disponibilizado no feriadão. Até amanhã um novo link, com o áudio na íntegra estará disponibilizado.

Eduardo Lott disse...

Agora sim, amigos! Novos links com o áudio na íntegra! Abraços!!

Anônimo disse...

Oi Eduardo
Muito obrigado
Está belíssimo !!!! Parabéns mais uma vez pelo blog.
Como te disse, tenho outros materiais da Betha que não está postado, caso se interesse estou a disposição.
George george_jorge1000@hotmail.com
Abraço

Astrolleo disse...

Obrigadíssimo, Eduardo!!!
Gracias!
Merci!

emanuel disse...

Em primeiro lugar quero parabeniza-los por tudo isso. Amo este disco! Gostaria também de saber se exista algum registro da Bethânia interpretando a canção "MALDIÇÂO" Que é uma das minhas preferidas.