quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Show MEL (1980)



Bethânia, uma luz sobre as canções

Se não bastasse o tanto que Bethânia anda cantando bem ultimamente e a limpeza de sua apresentação no Anhembi, o show valeria pelos belos gestos que faz enquanto vai interpretando as canções de seu repertório bem escolhido. Naturais, envolventes, bem dosados. E não é à toa que ela seja hoje a única cantora que consegue prender não só a atenção mas até a respiração de uma platéia durante o tempo que quiser cantar. Desta vez, inclusive, Bethânia até "judia" deste público, mantendo-o sem fôlego uma hora seguida, sem tempo ao menos para se refazer da emoção que lhe foi passada em uma música e já lhe manda uma nova carga em cima. De fato, ela vai num pique musical enorme, cantando 25 canções uma atrás da outra de maneira tão segura e linda que faria inveja a qualquer competidora de uma Olimpíada, se existisse esse tipo de competição maratona–musical. E aí é que está mais um grande valor nessa Bethânia de hoje: um show com esse pique poderia cansar o espectador, massacrado com tanta música sem intervalos. Muito ao contrário, ela consegue que, ao final, esse mesmo público queira ainda ouvi-la mais e mais.

A anunciada novidade deste show Mel, com carreira prorrogada em São Paulo devido à grande procura dos ingressos, é a grande orquestra que acompanha a cantora, regida por Perinho Albuquerque, autor de todos os arranjos, num trabalho muito bom. Mas tamanha é a presença de Bethânia que – aposto – houve gente que nem notou os violinos e os metais no fundo do palco, além do grupo formado por Túlio (piano), Luizão (baixo), Cláudio (guitarra), Bira (percussão) e Eneas (bateria).

A razão é muito simples. Neste show acontece uma coisa rara em espetáculos brasileiros: o som da orquestra fica no seu devido lugar, isto é, faz o segundo plano. Com isso, o artista,, emoldurado por ela, pode se soltar à vontade sem ser ofuscado. Coisa que, parece óbvia, mas que pouca gente põe em prática, resultando num som chapado, onde não se distingue a voz do cantor, perdida no som dos instrumentos. Isso, infelizmente, aconteceu recentemente em vários momentos do show de Roberto Carlos, também no Anhembi. Com esses cuidados, Bethânia e orquestra regida por Perinho formam uma dupla em perfeita sintonia.

Tudo isso colabora para que Mel seja um espetáculo limpo, satisfazendo plenamente a quem vai ao Anhembi com o propósito único de ver e ouvir Maria Bethânia cantar. As já famosas, longas e cansativas declamações da cantora-atriz foram esquecidas ou reduzidas a pequenas falas aqui e ali. Nenhum cenário. Roupa simples, mas rica e prateada, mil pulseiras no braço esquerdo e nenhuma no direito, uma pequenina lua também prateada no cabelo. Eis Bethânia por inteiro. Desnecessários os focos de luz colorida sobre ela de vez em quando, para realçar o clima de determinadas canções. Funcionam como chover no molhado, porque Bethânia, por si só, colorida ou em preto e branco, já é o próprio foco de luz e sua interpretação dada a cada música, nos conduz ao clima que ela deseja.

O repertório é, basicamente, o de seus dois últimos LPs, Álibi e Mel: Ronda, de Vanzolini; Gota de Sangue, de Angela Ro Ro; Mel, de Caetano Veloso e Wally Salomão; Loucura, de Lupicínio Rodrigues; Amando Sobre Jornais, De Todas As Maneiras, e O Meu Amor, de Chico Buarque; Lábios de Mel, de Waldir Rocha; Infinito Desejo, Grito de Alerta e Explode Coração, de Gonzagulnha; Nenhum Verão, de Túlio Mourão; e Negue, de Adelino Moreira e Enzo Passos, entre outras. Há também Cavalgada, e Café da Manhã, de Roberto e Erasmo Carlos e Olhos Nos Olhos, de Chico Buarque, a música que, segundo ela, fez com que também as rádios AM passassem a tocar suas gravações, já que, antes, só era ouvida em FM.

Traduzindo: deixou de ser vista como uma cantora de elite para ser entendida como popular, o que, aliás, sempre foi. Deliciosa também é a sua interpretação de Sábado em Copacabana, de Dorival Caymmy, e Jorge Guinle. A grande qualidade de Bethânia, além do charme que possui, é saber, como quase ninguém, ser tão coloquial ao cantar qualquer canção. Juntam-se voz, expressões do rosto, corpo e gestos das mãos. Olhos nos olhos da platéia. Perfeita.

Dirceu Soares – Folha de S.Paulo, 12/08/1980


DOWNLOAD DO ÁUDIO DO ESPETÁCULO

http://www.4shared.com/rar/x2Mosyum/show_mel_-_1980.html

3 comentários:

Nereu Tomazinho disse...

Graças a Deus e aos orixás eu vi esse show 3 vezes.
Eu o tenho em minha memória como se tivesse visto ainda ontem... mas já se foram quase 29 anos... Meu Deus!!!
Para mim o momento mais marcante foi quando Bethânia canta NENHUM VERÃO ao piano, com o autor da canção, Túlio Mourão... mágica pura...
O tempo vai passando e Bethânia vai ficando cada vez melhor...
Uma DEUSA... um ORIXÁ em pleno palco dando vida as canções...
Saravá Bethânia!!!
Nereu Tomazinho SP

Anônimo disse...

Muito surpreso com o blog, e com este material do show mel.Uma peninha que não seja em mp3 pra poder carregar pra todo lado comigo.
Valeu
Obrigadissimo
H

Garoto disse...

Certa vez, em uma entrevista, ouvi Bethânia comentar sobre o show "MEL". Bethânia falou com muito entusiasmo sobre o show. Fiquei muito curioso em saber qual era o roteiro e como era o tal show.Até que encontrei o áudio do show em "Reverso".Eis aqui Bethânia em uma de suas melhores performances. Principalmente por estar acompanhada por uma orquestra imensa.O roteiro conta com jóias nunca cantandas antes por Bethânia, incluindo "Café da Manhã" de Roberto e Erasmo, e de autoria de Dorival Caymmi, "Sábado em Copacabana", aqui com um belo arranjo estilo "Big Band",obra que ela só íria cantar novamente em 2002 no show "Maricotinha" e gravar em 2007 para a trilha de abertura da novela Paraíso Tropical.
O áudio está perfeito.Com uma limpidez impecável.

Recomendo baixar e ouvir milhões de vezes.
Parabéns a "Reverso" por nos disponibilizar esta Jóia rara