segunda-feira, 27 de abril de 2009

Homenagem: Flávio Império

Senhores, este post- e o documentário nele disponibilizado - é para quem realmente gosta de Teatro. Bem como, para todos aqueles que querem conhecer um pouco mais a fundo a obra de Bethânia.

Flávio Império

Flávio Império (São Paulo SP 1935 - idem 1985). Cenógrafo, diretor, autor e diretor de arte. O mais respeitado e prestigiado cenógrafo de sua geração, pioneiro no entrelaçamento da arquitetura com a cenografia; reconhecido artista plástico e diretor de arte.



Forma-se em arquitetura e urbanismo pela Universidade de São Paulo, USP em 1961. Inicia-se como cenógrafo e encenador no grupo amador Comunidade de Trabalho do Cristo Operário, em 1956. Para o Teatro de Arena faz a diagramação artística do programa de A Falecida Senhora Sua Mãe, de Georges Feydeau, com direção de Alfredo Mesquita, em 1957, marcando uma colaboração com este grupo que ganha impulso a partir de 1959, com a cenografia de Gente como a Gente, peça de Roberto Freire, com direção de Augusto Boal, seu primeiro trabalho profissional. Para o grupo experimental ligado ao Teatro Experimental Cacilda Becker, em 1960, cenografa Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto.



Em 1961, juntamente com Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre, entre outros, apresenta à Bienal Internacional de São Paulo um projeto para a construção de um centro educacional, no Concurso Internacional para Escolas de Arquitetura; amigos que montam juntos ateliê e partilham outras atividades artísticas. Nesse ano, cria a cenografia e os figurinos de O Testamento do Cangaceiro, de Chico de Assis, um elogiado trabalho no Arena.

Em 1962, para o Teatro Oficina, cenografa Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams, dirigido por Boal; e Todo Anjo É Terrível, de Ketti Frings, encenação de José Celso Martinez Corrêa, dois ambientes evocativos, misturando elementos realistas e poéticos, recebendo pelos dois trabalhos o Prêmio Saci de melhor cenografia.

Em 1963, para Melhor Juiz, o Rei, clássico de Calderón de la Barca, começa a experimentar sobre as propostas brechtianas, almejando uma síntese entre historicidade e teatralismo. O Filho do Cão, de Gianfrancesco Guarnieri, com direção de Paulo José, de 1964, é apontada como a sua melhor e mais criativa solução para o espaço do Arena. No mesmo ano, para o Teatro Maria Della Costa, TMDC, cria um cenário inteiramente construtivista de grande efeito: Depois da Queda, texto de Arthur Miller dirigido por Flávio Rangel.

Uma mesmo princípio brechtiano percorre três trabalhos em seqüência: Andorra, no Oficina, encenação de José Celso Martinez Corrêa sobre texto de Max Frisch; A Ópera dos Três Vinténs, de Bertolt Brecht e Kurt Weill, montado por José Renato para Ruth Escobar, ambos em 1964; e Os Inimigos, de Máximo Gorki, 1966, outra encenação de José Celso que redimensiona o realismo.

Em 1965, participa de Arena Conta Zumbi, de Boal e Guarnieri, um despojado ambiente cênico que serve os propósitos da obra, levando o Prêmio Governador do Estado; e Arena Conta Tiradentes, dos mesmos autores, de 1967, onde o sistema coringa é aprofundado e encontra, nas soluções cenográficas e na visualidade, amplo apoio de sustentação.

Flávio envolve-se em duas montagens polêmicas: Roda Viva, texto de Chico Buarque dirigido por José Celso Martinez Corrêa, 1968; e sua própria encenação de Os Fuzis da Mãe Carrar, de Bertolt Brecht, para o Teatro dos Universitários e São Paulo, TUSP, 1969. Em ambas se manifesta o ideário tropicalista. As propostas da nova objetividade - na agenda pictórica desde a exposição Opinião 65, no MAM/RJ - encontram aqui uma esplendorosa síntese: a derrisão dos rituais católicos, a crítica do vanguardismo, a síntese do figurativismo e a exploração do kitsch; colocando em primeiro plano a mensagem política.



Minucioso trabalho de síntese brechtiana ocorre em Jorge Dandin, encenação de Heleny Guariba para o Teatro da Cidade de Santo André, também em 1968 levando, novamente, o Prêmio Governador do Estado; assim como em Marta Saré, texto de Guarnieri, com montagem de Fernando Torres.

A partir de então, a imaginação cênica de Flávio ganha dois percursos paralelos: a realização de shows, onde pode voar imageticamente, criando espaços que beiram o onírico da brasilidade, em cores escandalosas e farto uso da iluminação tropical. São eles: Rosa dos Ventos: O Show Encantado, com Maria Bethânia, 1971; A Cena Muda, com Bethânia, 1974; Doces Bárbaros, com os quatro baianos, em 1976; Pássaro da Manhã, novo solo de Bethânia, em 1977; Maria Bethânia, de 1979; Estranha Forma de Vida, de 1981 e XX anos de Paixão, com Maria Bethânia em 1985.



Na outra vertente, nascida de sua associação com Fauzi Arap, resultam os espetáculos dramáticos Pano de Boca, 1976, sendo mais uma vez premiado, e Um Ponto de Luz, 1977, premiado com o Saci e Governador do Estado com a Royal Bexiga's Company. Nesse conjunto, as convergências ficam na exploração das cores, nas temáticas ligadas à contracultura, soluções pós-tropicalistas conceituais e farto uso de panejamentos e papéis que, aos poucos, vão substituindo os materiais pesados, como madeira e ferro

Para Flávio, "existe, em todas as épocas, uma espécie determinada de sonho para os que estão dormindo e de realidade para quando acordam. Quando você consegue, ainda que pela mascarada, aproximar o momento do repouso do momento da vida, tanto melhor. Então, que se durma acordado no teatro! Acho isso melhor do que chamar a atenção para a vida. Para isso existem os debates na televisão, esclarecimentos, grupos que pensam..."1

Soluções arquitetônicas de síntese estão em A Falecida, de Nelson Rodrigues, montado no Teatro Popular do Sesi - TPS, em 1979 e Patética, João Ribeiro Chaves Neto, direção de Celso Nunes em 1980.

Para Osmar Rodrigues Cruz, Flávio cenografa os musicais O Poeta da Vila e Seus Amores, de Plínio Marcos, em 1977, arrebatando o Prêmio Molière; Chiquinha Gonzaga, Ó Abre Alas, de Maria Adelaide Amaral, em 1983, recebendo os prêmios Mambembe e Apetesp; e O Rei do Riso, de Luís Alberto de Abreu, em 1985, oportunidades onde pode aliar uma desenfreada imaginação cênica às pesquisas sobre a visualidade brasileira, uma espécie de carnaval para comportar signos barrocos, neoclássicos e contemporâneos, alcançando resultados muito elogiados. É ele quem faz a decoração da Avenida Tiradentes, em 1984, passarela para o desfile das escolas de samba.

Nos balés Libertas Quae Sera Tamen, direção Iacov Hillel, 1981, e Absurdos ou os Doze Trabalhos de Flérsules, em 1984, novamente as propostas de brasilidade visual voltam a ser exploradas e alcançam expressivas soluções.

Amplamente reconhecido, Flávio morre pouco antes dos 50 anos; tendo entrelaçado a arquitetura e as artes plásticas, a cenografia e a direção de arte em inusitadas e renovadas perspectivas. É professor na Escola de Arte Dramática, EAD; na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, FAU/USP, e na Faculdade de Belas Artes de São Paulo, além de roteirista de cinema, junto com Ruy Guerra, no filme Os Deuses e os Mortos.

Num depoimento, o arquiteto e artista plástico Sérgio Ferro afirma sobre Império: "Flávio era pintor, poeta, professor, homem de teatro e cinema também. Dizia que o arquiteto sustentava os outros. (...) Se o arquiteto sustentava os outros, todos os outros Flávios certamente embaraçaram o arquiteto. Eles sabiam o que é o pôr-se lá no fazer para se achar, embrenhar na matéria para perder a desconcertante ligeireza do ser, pensar fora do pensamento dado: tudo o que é arte, enfim. Eles experimentaram tudo isso bem demais para não sentir que a arquitetura 'normal' impede aos que a servem, os operários da construção. W. Morris dizia: a arte é a manifestação da alegria no trabalho. Os Flávios viveram esta alegria séria e sabiam que ela não mais visitava os canteiros desde a Renascença".


*Abaixo, o documentário sobre a vida de Flávio Império, com participação de Maria Bethânia.



“Flávio Império – Em Tempo”


Direção: Cao Hamburguer e Raimo Benedetti

Ano: 1997



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